segunda-feira, 28 de maio de 2007

A flor urbana



Saio da faculdade, atravesso a rua cobre e vejo uma flor, não era um girassol, uma rosa, nem uma Jandira. Era uma flor de papel: um galho perfurava os panfletos de algum curso. Em meio aquele caos de informação que é a cidade pensei: será uma flor de uma espécie urbana? Será uma flor urbana? Senti-me um tanto quanto confusa, porque no meio de tantos prédios, estruturas de aço, indústrias, outdoors acabamos nos confundindo entre o natural e o que chamamos de real. Continuo o meu percurso, até chegar a minha casa. Estava com alguma fome, mas não parava de pensar naquela flor, liguei o computador e navegando pela internet vi uma foto da Praça 7, em Belo Horizonte, na primeira metade do século XX, esta se localiza na confluência das avenidas Afonso Penna e Amazonas, onde há um monumento cujo obelisco foi e é chamado até hoje pelos belorizontinos de Pirulito. A foto indicava uma avenida repleta de árvores e pouquíssimos prédios compunham a cena, dá caótica Avenida Afonso Penna de hoje. Apesar de Belo Horizonte ter sido inaugurada em 1890 e já em seu projeto ter sido planejada para ser uma cidade com uma arquitetura moderna.
Nessa foto as pessoas transitavam no meio da rua em plena Praça 7, porque o único transporte público que havia em Belo Horizonte era o bonde a vapor, este teve a sua inauguração em 07/09/1895, a impressão que a foto passa é que as pessoas literalmente esperavam o bonde passar e o tempo parecia passar mais devagar para os mineiros daquela época. No ano de 1912 foi instalado pela General Eletric bondes elétricos em algumas ruas de Belo Horizonte. Os primeiros ônibus chegaram por aqui em 1922, embora os mineiros transitassem nessa época mais de bondes e a pé. Mais tarde em 1959 o serviço foi entregue ao Departamento de Bondes e Ônibus, que era um setor do município, e este operou o último bonde em Belo Horizonte em 30/06/1963. Belo Horizonte é uma cidade com algumas muitas praças, embora em boa parte dessas eu não veja as pessoas tendo uma relação direta com esse bem público, salvo: Praça do Papa e Praça da Liberdade?. As praças hoje em dia perderam a graça, afinal a vida está tão corrida e violenta que as pessoas passam por elas como se passassem por uma rua qualquer .Os espaços privados passaram a ser o ponto de encontro das pessoas, principalmente as ilhas de consumo: shoppings, galerias, bares, cafés. Os espaços públicos perderam para a concorrência privada. A rua está tomada por carros, ônibus, motos, máquinas e as pessoas disputam um espaço na rua para viverem alguns dias e sobreviverem em outros dias. O ar se torna asfixiante. O que houve com a nossa rua pública? E com as flores de verdade? E com os seres humanos? O que houve com eles?

Tarsila Costa

A espera de Doraci




Nas escadas da Igreja do Rosário, no centro de Belo Horizonte, Dona Doraci espera. Ela espera que alguém pare para escutar sua estória. Dona Doraci carrega várias sacolas com roupas, remédios, calçados, objetos pessoais e uma cestinha azul com uma cartela quase vazia de Amoxilina e algumas poucas moedas. Essa senhora veio com seu marido e filhos do interior de Minas Gerais para Belo Horizonte há 11 anos de uma cidadezinha perto de Mantena, e procura por seu marido, que ela diz ter ido para uma cidade do Vale do Jequitinhonha, depois de ter sofrido uma tentativa de homicídio no bairro 1º de Maio, onde moravam. Segundo ela, seu marido tem familiares nessa cidade e se dispuseram a ajudá-lo, nesta situação, Dona Doraci não foi com ele por causa da falta de dinheiro. Ela não tem sequer 40 reais para uma passagem de ida para ver como esta o marido. Ela ainda disse que seu marido bebia muito e vivia caído na porta dos bares do centro de Belo Horizonte. Dona Doraci tem filhos e netos, mas segundo ela, não há espaço para ela na casa deles, sendo assim, ela continuou no barraco no bairro 1º de Maio onde morou sozinha por alguns meses, mas como tinha medo de que invadissem sua casa para roubar-lhe a vida- que é a única posse dessa senhora-, mudou para um bairro tranqüilo, porém distante da região central de BH, cujo nome é Engenho. Ela diz que tem medo de ficar sozinha em um lugar tão longínquo, morrer por lá e ninguém saber o que houve com ela. Dona Doraci é um ser humano pedinte, como outros seres humanos pedintes que ficam nas escadarias das igrejas do centro, contudo, o substantivo pedinte não deveria ser um empecilho para que as pessoas vissem o ser humano que ela é. Ela tem memórias, lembranças, família - apesar de na sua atual condição estar sem ninguém -, mas mesmo assim, mesmo sendo uma pessoa como outra qualquer, um indivíduo, Dona Dorací ainda parece invisível aos olhos da sociedade, que sequer percebe seu suplício a beira a igreja Nossa Senhora do Rosário.


Em 2002, o Brasil contava com 16.022.231 de pessoas com mais de 60 anos, o que representa uma fatia de 9,3% da população, sendo que 56,00% desses idosos eram mulheres. Segundo o IBGE, “em 2020 os idosos chegarão a 25 milhões de pessoas - 15 milhões de mulheres - numa população de 219,1 milhão. Eles representarão 11,4% da população.” Dona Doraci tem 63 anos e é uma dessas milhões de idosas que existem hoje no Brasil. É importante que a sociedade civil, que é composta de idosos também, reveja a situação desta estratificação etária hoje, pelo fato de pesquisas populacionais sobre o Brasil estarem colocando em evidencia um país com grandes esperanças de vida ao nascer e, considerando essa informação, podemos dizer que o Brasil hoje está com uma considerável parte da população mais velha - fenômeno social esse que tende a crescer mais - considerando a queda da taxa média de crescimento da população que vem caindo desde da década de 60, a qual tinha a taxa média de crescimento 2,89% e “no último período censitário(1991 a 1996), chegou a 1,38%”. De acordo com o relatório, “Indicadores Sociais Mínimos”, disposto no sitedo IBGE: “Entre 1940 e 1990, a esperança de vida ao nascer aumentou de 41,5 para 67,7 anos de idade(IBGE, Censos demográficos) .Os maiores ganhos de esperança de vida ocorreram na década de 80, quando aumentoude 53,5 anos de idade em 1970 para 61,8 anos de idade em 1980. (Indicadores sociais: uma análise da década de 1980. Rio deJaneiro: IBGE, 1995. p33, quadro 4).” Situações de descaso como a de Dona Doraci refletem o valor que não é dado aos brasileiros que atingiram a maturidade e deveriam contar com um apoio maior da sociedade civil e do Estado pelo fato óbvio de, primeiramente, serem seres humanos e nesta condição terem direitos básicos assegurados pelas convenções sociais como: saúde, moradia, alimentação, lazer, educação. Além disso, para que haja uma verdadeira tomada de consciência da população em relação a problemática situação do idoso, é essencial que a mídia faça o debate em torno do problema, convidando a sociedade a propor políticas públicas e manifestando-as efetivamente através de suas representações políticas. Quando nos voltarmos para garantir os direitos básicos que um ser humano tem, estaremos contribuindo para a construção de uma sociedade mais digna, enquanto isso não ocorre, Dona Doraci espera nas escadas da Igreja do Rosário.


Referência
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos

Tarsila Costa

domingo, 27 de maio de 2007

A luta contra o manicômio



Chegamos cansados a praça sete, e admito um pouco atrasados. Contudo, nosso atraso, curto e trivial, não nos privou de percebermos a concentração alegre da passeata que legitimaria e legitima há 10 anos o movimento de luta antimanicomial. Apesar de o movimento ter sua origem em 1987, completando 20 anos agora em 2007, a passeata tem apenas 13 anos de existência. Todo dia 18 de maio em todo o Brasil milhares de pessoas, dentre elas os próprios loucos e os adeptos ao movimento, reúnem-se para protestarem contra os manicômios e o regime excludente aplicado ao louco que é internado. A beleza da concentração a principio nos chamou muito a atenção. Pessoas fantasiadas, a escola de samba – constituída pelos próprios loucos – ecoando a frenética batida, felicidade, alegria, uma manifestação sadia que tomou conta de parte do centro por toda à tarde. A principio, não para um observador atento, mais do que isso, para qualquer observador, encontra-se uma dificuldade enorme (que até hoje nos indaga) de diferenciar: quem é louco, quem não é? São indivíduos ora bonitos ora feios, ora alegres ora tristes, ora dispostos ora cansados. Todos envolvidos na própria localização perante a sociedade, no tratamento justo a sua doença – que como outra qualquer, demanda cuidados -, na percepção por parte do outro de sua cidadania bem como de sua subjetividade.

Aproximadamente às 15 horas começou a passeata. Nós, alunos da Fumec, encabeçados pelo professor Jacques Ackerman ficamos atrás, lá para o final do movimento, observando atentos à mobilização. No decorrer do percurso o professor Jacques nos apontou um homem vestido de segurança. O nome dele não nos foi dito, mas, aparentemente, tratava-se de um segurança mobilizado na organização do evento. Tratava-se de um louco que em toda passeata do dia nacional da luta antimanicomial vai com um colete de segurança para auxiliar o percurso das pessoas. Segundo o próprio Jacques, ele era muito útil, pois de fato ajudava na organização do evento. Cortar o próprio corpo com os nomes de suas namoradas era parte da sua crise esquizofrênica, no entanto estava lá, prestativo e solicito, mostrando-se um excelente ajudante.

Apesar de dividir opiniões, o serviço substitutivo ao manicômio tem construído importantes feitos em Minas Gerais e no Brasil todo. Através de uma estatística divulgada pelo IBGE, disponível no endereço
http://www.sespa.pa.gov.br/CAPS/caps.htm , conseguimos localizar a posição de Minas na instauração de centros de atenção psicossocial (CAPS). Hoje, ocupando o sétimo lugar no ranking nacional que qualifica uma media aproximada do número de centros por habitante, com um significativo aumento de 20 CAPS em todo o estado, Minas Gerais se mostra, gradativamente, inserida no modelo de substituição de manicômios, ocupando uma posição privilegiada no ranking de estados brasileiros. E em cooperação com esses indicadores o movimento de 18 de maio constitui um passo fundamental para integração do louco na sociedade. A lei, enumerada como lei 10.216, do dia 06/04/2001, que prevê a extinção gradual dos manicômios, ilustra em parte a importância do movimento, sua repercussão na sociedade e no estado. Em 31/07/2003 entrou em vigor outra lei, 10.708 denominada “De Volta Para Casa”, que prevê uma integração dos pacientes acometidos de transtornos mentais através de incentivos financeiros e, sobretudo, através de tratamento externo as clinicas. Os pré-requisitos para aplicação do beneficio segue uma exclusão na sua concepção, algo que torna a própria lei contraditória. A reintegração do louco só se faz possível enquanto o mesmo possuir um histórico de, no mínimo, dois anos de internação em clinicas psiquiátricas. Somente esse indivíduo poderá ter acesso aos benefícios. E quanto aos outros? Austregésilo Carrano Bueno, autor do livro Canto dos Malditos, que deu origem ao filme Bicho de Sete Cabeças e atuante articulador do movimento antimanicomial, em entrevista ao site rets (www.rets.org.br), argumenta a respeito dos déficits do sistema psiquiátrico brasileiro. Segundo ele, em 2005, o programa de auxílio ao portador de transtornos mentais tinha como objetivo atingir mais de 2.500 pessoas, repassando por fim, a verba somente para pouco mais de 800 pessoas, principalmente pela exigente burocracia que o programa demanda. A sua amargura e angústia acera do processo psiquiátrico é vasta, passando pelas fortes criticas aos métodos de terapia de eletrochoque e da eletroconvulsoterapia, designadas por ele como “terapia do terror”.

Apesar das diversas opiniões acerca do processo de extinção do manicômio, o dia de luta antimanicomial contribuiu, em larga medida, para a validade do debate; a necessidade de se pensar o louco, de se pensar o indivíduo. E grande parte da movimentação acerca desta causa teve sua origem nesse movimento decenário que prega a integração acima de tudo, a legitimação de um indivíduo que infelizmente não é tido como legítimo e até hoje é austeramente descriminado. E ao percebermos cada sorriso de cada ser humano em meio àquela profusão de cores e alegria, tivemos a feliz percepção de uma fatia da sociedade que reivindica os seus direitos – não mais que seus – com felicidade e esperança.

Referencias:



Felipe Chimicatti

sábado, 26 de maio de 2007

O vandalismo e a cidade



Transitar em Belo Horizonte, principalmente na região central, já se tornou uma espécie de vislumbre da destruição. Afora as pessoas caídas em cada esquina, compondo uma paisagem urbana, os espaços públicos encontram-se significativamente depredados. Telefones públicos quebrados, ruas sujas, ônibus transitando com seqüelas terríveis de atos imprudentes, pichações produzindo transgressões, que sequer dizem algo por si só. Parte desses comportamentos da população reflete um descaso com o espaço público, com a infra-estrutura que, bem ou mal, comporta os cidadãos.


Pode se dizer que a questão do vandalismo é uma questão unicamente social? Certamente não, pois, desconsiderar inúmeros fatores que compõem também o problema do vandalismo, como talvez algum por menor da esfera psíquica, tornaria a análise do problema social uma análise leviana. Contudo, perceber que, mesmo com a confluência de fatores, o problema da depredação do espaço público está vinculado a sociedade, e a forma com que ela estimula determinadas atitudes é decisiva para entender os comportamentos que vão na contra-mão das leis.


Podemos notar que o vandalismo traz certa insegurança para a população, e uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), mostra que uma maneira bem sucedida de combater o vandalismo é o incentivo das relações sociais e a ocupação de espaços públicos, como o incentivo ao grafite, afim de transformar pichadores em artistas de rua que fazem de sua arte uma forma de humanizar o espaço urbano. Percebemos que a arte do grafite saiu dos subúrbios e vem sendo uma fator interessante para inclusão social, mas pode se ver que não só o grafite vem desempenhando um papel de extrema importância para o combate ao vandalismo. Podemos perceber também na cultura hip hop, que passa na música e na expressão corporal. Uma relação interessante no que diz respeito à apropriação do espaço urbano é o esporte Francês Lê parkour que vem transformando locais públicos em verdadeiros obstáculos urbanos a serem transpostos pelos praticantes.


Estatísticas do IBGE(instituto brasileiro de geografia estatística), mostram a capital mineira como o quinto lugar, segundo qualidade de vida para se residir, no entanto, em contraponto a esse estudo, a capital mineira é a décima no que diz respeito a problemas domiciliares e vandalismo, tanto em locais públicos quanto em áreas residenciais. Seguindo a mesma pesquisa, o vandalismo hoje é apontado por 28% das famílias da capital mineira como o maior incômodo existente, que variam desde o uso de drogas em locais públicos às pichações em estátuas e patrimônios históricos, passando também por roubo de tampas de bueiros e fiações elétricas.


Um cuidado recorrente que devemos ter é o de não confundir vandalismo com manifestações. Ora ou outra pessoas expressam suas opiniões e desgostos, muitas vezes políticos e sociais, através de interferências no espaço público. Não estou aqui questionando se são certas ou não essas intervenções, no entanto, saber separa-las é fundamental, uma vez que o vandalismo por si só se expressa de uma maneira totalmente diferente das intervenções que buscam se manifestarem de uma forma ou de outra.




Referências


Pedro Ivo




sexta-feira, 25 de maio de 2007

Os jovens brasileiros, a educação e a favela.



Ele sai, tranca a porta de seu barraco e olha a cidade lá da vila do Cafezal, suspira e vai para mais uma jornada de trabalho de dez horas. Descendo as escadas ele pensa que ainda é terça-feira, pensa que ainda precisa entrar na faculdade e para isso precisa continuar no seu emprego para manter sua vida. Às vezes ele se questiona quanto tempo ele gasta trabalhando naquela clínica como auxiliar administrativo. Às vezes pensa até em ficar na cama e largar tudo: trabalho, arquivo, computador, chefe de setor, mas cinco minutos depois de ter essa idéia, sua irmã mais velha bate na porta para assegurar se ele já acordou para o trabalho, nesse instante ele se desapega dessa idéia, porque sabe que as contas daqui alguns dias chegarão.

Essa realidade se repete com vários jovens nos grandes centros urbanos brasileiros. A região sudeste, onde há 41,3% dos jovens brasileiros entre 15 e 24 anos - número este que corresponde a maior parte desse segmento em relação as demais regiões do país - estrutura-se como a região mais jovem do Brasil. Ainda no sudeste a partir dos 14 anos há um significativo decréscimo das taxas referentes à presença dos brasileiros na escola. Se na região sudeste dos 7 a 14 anos 95,5% dos brasileiros estão na escola, dos 20 a 24 anos esse número cai para 22,5%. Os jovens abandonam o estudo em prol do trabalho, boa parte desses habitam nas periferias e nas favelas. Como o caso de Marcos Antônio, morador da favela do Cafezal. Ele abandonou a escola com 13 anos para trabalhar porque, segundo ele, era a prioridade no momento. Hoje Marcos tem 26 anos, trabalha durante a semana e aos sabádos faz curso técnico de autocad, ele pensa em concluir o ensino médio e ingressar na faculdade de arquitetura.

Final do dia é a hora de regressar para sua casa. Ônibus lotado, ele olha para as pessoas do ônibus e vê que a maioria delas também cumpriram uma longa jornada de trabalho, e naquele momento só querem chegar em casa para descansar daquele dia, ainda mais sabendo que amanhã terão mais um dia de trabalho, de ônibus lotado, de centro as 18 horas da tarde. Ele desce do ônibus, olha para favela e vê os barracos amontoados. Vê as luzes amarelas espalhadas pelo morro afora, sente algo confuso. Pensa na boca-de-fumo que terá que passar para chegar à sua casa, nas armas, na vulnerável segurança sua, de sua família e de seus vizinhos, sobe as escadas, chega na porta de seu lar, suspira e entra.

De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte o Aglomerado da Serra é formado por 6 vilas:"Marçola (também conhecida como favela Cabeça de Porco), Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora Aparecida (conhecida como favela do Pau-Comeu), Nossa Senhora da Conceição, Cafezal e Novo São Lucas", embora a população local, a imprensa e alguns estudos dizem que nesse Aglomerado há 11 vilas, entre elas a vila Antena e vila Fazendinha. Ainda há controvérsias em relação ao número de habitantes do aglomerado. Segundo a URBEL, a população total do aglomerado é de 37.641 habitantes, já para o Distrito Sanitário Centro-Sul, os dados apontam para 38.025 habitantes. A Secretária Municipal de Desenvolvimento Social estima uma população de 45.920, e a imprensa(Rádio Favela, Estado de Minas e Folha de São Paulo) afirma morar ali 160.000 habitantes.
Tantas controvérsias em relação ao número de seres humanos que coabitam num espaço deixa bem evidente o descaso da sociedade civil e do Estado em relação a essa situação precária de moradia que muitos brasileiros vivem hoje na região sudeste e nas demais regiões urbanizadas brasileiras. Considerando que na Vila Nossa Senhora de Fátima-localizada no Aglomerado da Serra- existe apenas 10% de saneamento básico, a água encanada está disposta para 70% da população e o acesso a coleta de lixo é restrito apenas a 48% da pop. dessa vila.
Ele toma banho, janta e assisti o jornal nacional, em seguida chega da janela do seu barraco e vê os reflexos azuis das tvs ligadas no morro, fica um tempo pensando em algo distante, até escutar os foguetes, ele corre e vai conferir se toda sua família está em casa, depois de ter essa certeza fecha a janela e vai dormir.

Referências

Tarsila Costa

A amargura de Augusta



A caminhada pelas ruas centrais de Belo Horizonte nos fez perceber diversos contrastes sumamente urbanos: na medida em que empresários passavam com seus ternos alinhados, pessoas caídas defronte a hotéis, bancos, no meio de quarteirões fechados estiravam seus braços em um suplício de atenção, de reconhecimento, parecendo bem mais um grito mudo que dizia: "Olha, eu estou aqui! Eu existo e tenho fome, eu existo e estou passando mal, eu existo"! E mesmo assim, com todo a conjuntura da situação culminando para que esses indivíduos fossem percebidos, seja pela gravidade da situação, seja pela intervenção urbana proporcionada por eles, ali, caídos em meia à rua, as pessoas passavam desdenhosas, sem notar aquele brado silencioso lhes pedindo ajuda, somente isso; ajuda. Essas frases encaixam-se perfeitamente no caso de Dona Augusta. Augusto, no dicionário, refere-se a grandioso, sumptuoso, respeitável, majestoso. O mesmo dicionário não faz menção à palavra Augusta. Essa senhora parecendo seguir a lógica do dicionário escolar da língua portuguesa não é percebida como uma grandiosa pessoa, uma majestosa pessoa, sequer uma respeitável pessoa: Dona Augusta parece não existir ao olhar apressado da cidade. Sua lida consiste em conseguir dinheiro para se sustentar através de doações de quem ali passa e nota sua angústia, e como bem ela disse, catar latinhas na rua. Estampado em sua perna esquerda está um grande machucado, medindo aproximadamente a circunferência de uma moeda de 50 centavos. Em seu peito – que ela fez questão de nos mostrar – existe um grande hematoma que ela queixa ser os efeitos de uma cirurgia mal realizada. A nova cirurgia, programada pelo SUS, para refazer o que de errado foi feito, esta programada para começo de Agosto. Mas por algum motivo pessoal ela não se alongou muito na questão da cirurgia. Até lá Dona Augusta perambulará pelas ruas a procura de alguns trocados para interar no dinheiro dos seus remédios e conseguir alguns poucos reais para se alimentar da forma que conseguir. A maneira como se acomodava era curiosa: em cima de um pano esmiuçado, meio rasgado pelas laterais, Augusta se sentava, ali mesmo, em um concreto rígido e desconfortável. Segundo ela mesma, sentara-se ali por que estava cansada demais para catar suas latinhas e não conseguiria fazer esse trabalho no momento. Em Belo Horizonte, segundo o IBGE, o número de pessoas marginalmente ligadas ao PEA (população economicamente ativa) atinge em abril de 2007 o número de 171.000. Dona Augusta, de uma forma ou de outra, esta atrelada à informalidade, seja pedindo esmolas, seja catando latinhas. Ela era também parcialmente cega. Enxergar uma pessoa, como nos contou, era um trabalho de reconhecimento da voz juntamente com a imagem. Somente assim ela conseguia olhar e reconhecer. Quando pedimos para tirar uma foto, justificando a atitude por intermédio de um trabalho que faríamos para a faculdade, ela se negou terminantemente. Não permitia em hipótese alguma e demonstrou, inclusive, um receio enorme de que viessemos a tirar a fotografia sem ela perceber. Em meio à conversa perguntamos a ela a respeito das pessoas que viviam com ela, e numa frase meio desolada, com um tom de angustia, ela respondeu: "comigo, só mora Deus. Meu filho morreu há dois anos com ataques de epilepsia; ele não se medicava direito". E como à senhora faz Dona Augusta? "Eu? Vou tocando a vida da forma que dá". Descobrimos no decorrer da conversa que Dona Augusta havia morado no sul - que não conseguimos diferenciar precisamente se era o sul de Minas ou mesmo o sul do Brasil -, mas não tinha dinheiro pra voltar, nem mesmo depois da cirurgia. Bem que ela tinha vontade, mas as circunstâncias não permitiam. Enfiei a mão no bolso, tirei uma única nota de um real que tinha e dei a ela. Agradeceu-me muito citando Deus em todo seu discurso, e ao lado, passando curiosos, pessoas olhavam pra nos, como se fosse algo anormal parar e conversar com quem pede ajuda - ajuda que não se restringe unicamente a dinheiro –, e sim o reconhecimento individual, de um cidadão que existe, e deve ser percebido. Ao final saímos andando um pouco desolados e, mais à frente, avistamos um senhor escornado ao pé de um poste, com a blusa aberta, os olhos taciturnos, barba longa e mal tratada e uma expressão de imobilidade - talvez oriunda de alguma doença ou fome - e por onde foi seguindo nosso olhar, em acompanhamento com nossas pernas, avistávamos pessoas extremamente doentes, caídas, desacreditadas nos próprios direitos, na própria condição de ser humano. E seguindo a lógica do circo de horrores, a esmola implorada pelas pessoas esta atrelada às enfermidades visíveis de cada um: quanto mais angustiantes forem seus problemas externos; ligados à saúde, mais pessoas se mobilizam, desconsiderando as angustias pessoais, as angustias singulares, as angustias que muitas vezes não saltam aos olhos.
Referências
Felipe Chimicatti

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Rua Brasil, 500: Uma apresentação

Mediar. Esse é o intuito primordial do projeto Rua Brasil, 500. Contudo uma mediação diferenciada; que busque em sua essência construir a partir de uma analise crítica um Brasil que o próprio Brasil não consegue ver. Perceber em cada entroncamento de cada esquina um cidadão – no sentido lato da palavra – potencialmente capaz de expor em seus depoimentos, suas amarguras, suas alegrias, um pouco da cultura em que nasceu, da cultura que ajudou, voluntária ou involuntariamente, a construir. Perceber em cada indivíduo um pouco do Brasil, da brasileirice que ele carrega consigo, da sua lida e, sobretudo, do que este rapaz, esta moça, esta senhora, este louco, este senhor, estes brasileiros tem a nos dizer; seja em um olhar acanhado, seja em um sorriso descabido.
Através de textos simples em primeira pessoa pretendemos mediar o cotidiano brasileiro do ponto de vista cosmopolita em um tom de conversa informal. Localizar na estrutura da cidade uma variedade de personagens únicos que povoam a grande Belo Horizonte e que, indissociavelmente à cidade, compõem um cenário caótico em sua centralidade e, por vezes, pacato em suas periferias. Narrar como um romancista narra a trajetória de seu personagem pelos confis da própria vida, narrar do ponto de vista humano a cidade e a estrutura tumultuada que a permeia. E projetar através de Belo Horizonte um retrato das cidades do Brasil; retrato esse que prima pela desigualdade. E em cada enquadramento que lidar com a pobreza, com as disparidades, com os antagonismos regionais, proporemos um debate, através, principalmente, da consonância entre texto e imagem, a fim de estimular no seio da sociedade a própria emancipação para suas próprias desgraças, e antes disso, instigar através de um processo de mediação a dúvida, a angustia, o debate e, sobretudo, propor um canal que mostre parte do Brasil cosmopolita através da ótica humanista e literária, interativa e contestadora.

Tentaremos, na medida do possível, interagir com o leitor. A cada postagem de comentários que couber a continuidade do debate, iremos nos pronunciar, nos colocar como mediadores de uma conversa que deve ir além das linhas enunciadas na reportagem. As críticas são vitais para perpetuação da conversa e da construção de uma consciência ampla e contestadora - não no sentido de desconstruir por si só - mas no sentido de desconstrução para reconstrução. O projeto rua Brasil, 500 pretende mediar, trazer a tona questões válidas para a construção dialética do conhecimento e da manutenção da sociedade - ainda mais - estabelecer um método de conversa mais amistoso e interativo que valide as opiniões e construa, a partir delas, percepções variadas e humanas do indivíduo em sociedade.

Felipe Chimicatti, Tarsila Costa, Pedro Ivo